A culpa é da distração, ou não.

Havia sempre uma senhora no portão da casa ao lado, que todos os dias me desejava bom dia. Na época minha casa era a rua, depois minha casa virou o trem, viajar quase duas horas pra sair da cidade pequena do extremo leste de São Paulo, procurando algo que, hoje, nem eu sei mais o que realmente é. Agora, três anos depois, recebi a notícia de que essa senhora está internada, e já há algum tempo eu comecei a perceber que ela havia sumido, mas para ser bem franca, eu não sabia se era ela quem tinha parado de ver a vida passar em frente ao portão, ou eu que agora já não acompanhava as cosias que fizeram parte da minha rotina por 19 anos.

Comecei a notar que muitas pessoas haviam sumido da minha visão, eu mal reconhecia o mercado perto de casa, os vizinhos me veem e gritam o quanto eu estou sumida. Minhas amigas ficaram em segundo plano, talvez até a minha família. Os rostos que vejo passando pelo meu bairro não são, nem de perto, conhecidos. Talvez toda aquela galera que antes infernizava a vizinhança, tenha crescido também, se reparar bem, todos seguiram direções bem distintas. Novas crianças agora brincam até tarde na rua, vivem o que já vivemos e veja bem, hoje eu mal consigo correr na praça sem pedir um inalador.

Voltando da faculdade um dia desses, eu reparei que em um lugar onde havia uma árvore, tinha agora um tronco cortado, e entrei em desespero por não saber se aquilo estava assim há muito tempo e eu só tinha reparado agora. E ali eu comecei a perceber o quanto as coisas tinham mudado nesses três anos de ausência, aquele lugar já não parecia mais o meu lugar. As pessoas não eram as minhas pessoas, a minha rua já nem tinha mais o buraco que tantas vezes um de nós conquistava um machucado ardido.

Os anos passaram, e eles passam mesmo, mas a pior parte é não perceber que eles passaram, essa correria que nos impede de perceber que somos inconstância. Prédios são construídos em tão pouco tempo, árvores são cortadas com tanta frequência e todos os dias nosso lugar vai desaparecendo e ficando na memória. Eu só peço que aquela sorveteria no centro exista por mais uns dez anos, a pracinha fique no mesmo lugar para que eu possa sentar ali e lembrar o último dia de aula do colégio, em que aos prantos tomávamos Yakult. Talvez seja hipocrisia não querer que as coisas mudem, mas às vezes eu preciso de algo que me faça lembrar o motivo de eu ter seguido caminhos tão distantes dos quais eu seguia.

Publicado por

rebecamelo94

Escrevo para ver se existo.

2 comentários em “A culpa é da distração, ou não.”

  1. Gostei muito do texto! concordo que às vezes pode parecer hipocrisia não querer que as coisas mudem, mas realmente, às vezes é bom poder olhar para algo e perceber que, mesmo com todo o tempo que passou, ainda lhe resta uma coisa que lhe fará lembrar de tudo o que passou para chegar ali.

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